sábado, janeiro 29, 2011

APRENDIZES DA ARTE DE DIALOGAR




Não há mais dúvidas de que a internet (web) tem se tornado um campo cada vez mais amplo para debates, troca de idéias – e, no meio delas, algumas “farpas” são lançadas – o que nem sempre implica na existência do diálogo. Isto, pois, o diálogo é um lugar, por excelência, para alteridade – a qualidade do que é “outro”, o pensamento alheio, a celebração das diferenças. E quando a existência de diferenças é tratada como “o inimigo”, o que temos não é diálogo, debate entre idéias, lugar de alteridade (com alguma dose de identidade), mas campo de “tiro ao alvo”. E esse alvo facilmente deixa de ser o que outrem pensa, passando a ser esse próprio outrem.


As redes sociais hoje, lugar de exposição pública da vida (ou de parte dela, a que desejamos expor e a que almejamos que os outros “cultivem”) e das idéias, como o Twitter, são exemplo disso, isto é, da exposição de muitas idéias, que são tratadas ora com “afagos”, ora com “farpas”, e bem pouco como diálogo – que, por sua vez, envolve crítica, debate, mas com respeito ao outro em sua singularidade e direito de expor o que pensa.


Nesse ambiente, há aqueles que se expõem publicamente, e não temem o debate, isto é, não esmorecem diante da tarefa de ter que defender publicamente as idéias que apresenta. Há também aqueles que se expõem, mas não gostam da crítica, seja ela plausível e bem fundamentada ou implausível e mal fundamentada, pois preferem apenas provar o gosto cremoso dos afagos. Para que esses existam, é preciso que haja outro grupo, o dos aduladores, que adoram (literalmente) ficar “navegando” nas idéias e sabedoria do outro e passando a mão na cabeça deles, como se fossem “gatinhos caprichosos e infantis”, até que ronronem de prazer. Os dois últimos grupos se completam. Entre eles, estão também os críticos pusilânimes, que se comprazem do lugar morno, pueril e confortável do anonimato, e preferem não se expor a fim de não “ferir a sua imagem”, embora adorem jogar farpas naqueles que não têm medo de se expor. Além desses, há também o grupo (menor) dos críticos equilibrados, que entendem que é preciso saber não só fundamentar como balancear a sua crítica; “endurecer, mas sem perder a ternura”, como diria Che Guevara.


É óbvio, essas são categorizações limitadoras, mas, ainda assim, não menos assertivas. Defender argumentos e desejar não receber reações contrárias é o mesmo que sair na chuva e não se molhar, impossível! Se eu parasse para lamentar se a “teologia pública” vale pena ou não à medida que as críticas aparecem, concluiria (muito humanamente) que nada vale a pena. Bom mesmo é só receber elogios e afagos – e qualquer um, que conhece suficientemente seu lado narcísico, não hesitaria em admiti-lo. Ao mesmo tempo, isso não significa aceitar qualquer tipo de ataque, sobretudo, aqueles que ferem o pessoal e esquecem-se das idéias. Enfim, minha motivação em escrever a respeito disso vem de uma reflexão feita em parceria com colegas e alunos há algum tempo, e tem a ver com as últimas querelas e quizumbas – não posso chamar de “debates” – que tenho presenciado na web.


O que é preciso haver, então, para que o diálogo exista, e não outra coisa? Arrisco-me aqui a ser pragmático e idealista (se é que é possível a convivência entre os dois), beirando o reducionismo, com essas sete pistas ou idéias soltas que ofereço abaixo. Segundo o que entendo, para haver diálogo é preciso:


(1) Aprender a separar o campo pessoal do campo das idéias. Por mais quimérico que isso pareça, especialmente se considerarmos a realidade, é essencial e deve ser perseguido, ainda que como ideal.


(2) Respeitar o direito alheio de dizer o que pensa, seja lá o que for esse pensar. Nesse sentido, vale outra vez lembrar Voltaire, em seu Tratado sobre a Tolerância: “As tuas idéias me são odiosas, mas eu morreria pelo direito que você tem de dizê-las”.


(3) Resguardar a crítica à matéria do debate, e privilegiar argumentos que não redundem mais em confusão do que esclarecimento. Isso significa: ser honesto intelectualmente e criticar as idéias do outro levando em consideração o lugar a partir do qual elas foram produzidas (por mais distante que ele esteja de nós), e não outra instância qualquer, inventada por quem critica só para poder “ter argumento”.


(4) Aceitar que o outro pode permanecer convicto de seus ideais, a despeito dos meus argumentos e posições. O diálogo existe pelo diálogo e não para que o outro se converta à minha “religião”. Melhor palavra, nesse outro caso, seria proselitismo. Fui chamado a esse mundo pra ser testemunha de Cristo e não para fazer prosélitos.


(5) Ouvir atentamente, ler com cuidado e interpretar com esmero e discernimento, para não colocar na fala do outro aquilo que ele não disse. Se já fizemos (e continuamos fazendo) isso com Deus e com a Bíblia, que dirá com o próximo?


(6) Estar aberto e disponível ao relacionamento, independente da discordância no campo das idéias. Difícil, você pode estar pensando. E é verdade. Só que Jesus não apenas foi um modelo nesse quesito, como foi mais radical, quando disse que devemos amar aos nossos inimigos e quem nos persegue – que dirá aqueles de quem apenas discordamos, não?


(7) Entender que temos a tendência de tratar o diferente como ameaça; nós somos aqueles criam barreiras e reforçam as existentes. Não posso (falo agora por mim) estar apto ao diálogo sem antes admitir minhas inaptidões naturais para ele.


O verdadeiro diálogo é uma conversa que se dá entre aprendizes audazes, porém, humildes o suficiente para se admitir como tais. Isso significa que a conversa pode terminar, mas o assunto nunca se esgota ali. No diálogo, não há lugar para donos da verdade, e Senhores do absoluto. Somente com o Senhor estão a Verdade e o Absoluto. Sobre isso, Rob Bell[1] disse o seguinte: “Nossas palavras não são absolutas. Apenas Deus é absoluto, e Deus não tem a intenção de partilhar seu absolutismo com ninguém, especialmente palavras que as pessoas usam para falar sobre Ele. E isso é uma das coisas com a qual pessoas têm se debatido desde o princípio: Deus é maior que nossas palavras, cérebros, cosmovisões e nossas imaginações”.


Diálogo é lugar para quem, como Paulo, admite que “em parte conhecemos, e em parte profetizamos”. Seres parciais, isso é o que somos, em todos os sentidos, rumando para aquilo que é Perfeito, Absoluto, quando conheceremos como também somos conhecidos. Até lá, precisamos (e muito) de Deus – quem dera se toda ciência admitisse isso. E precisar de Deus implica em não prescindir do outro. Não há vida sem relacionamento; não há diálogo sem a presença do outro. Termino com a frase de meu amigo Antonio Carlos Barro[2]: “Publicar seu pensamento é convidar o pensamento do outro”. Vamos nessa? Rumemos para “novos diálogos”!





[1] BELL, Rob. Velvet Elvis. Repainting the Christian Faith. Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 2005, p. 23.


[2] Via web, perfil do Antonio Carlos Barro no Twitter: http://twitter.com/A_C_B_


Jonathan Menezes

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